- Posso ir, mãe?
Não pode. Neste momento, deve estar um autocarro grande parado junto à escola. Os outros meninos em algazarra, excitados pela aventura. Vão passear, descobrir coisas novas, viajar, brincar, divertir-se. E ela está ali, tão longe. Quer tanto ir, mas está tão longe! Se a vontade tivesse força, ela derrubaria o mundo. Mas a sua vontade esbarra contra uma parede: alta, escura, dura. Por mais força que faça, a parede não se mexe. E tem raiva, tanta raiva! Raiva de se sentir atada a uma escada de pedra, fria. Quanto maior é a sua vontade, mais fria é a pedra e mais longe estão os meninos. A esta hora o autocarro já partiu. E tudo ficou escuro dentro dela.
Os dias passam atrás de outros dias. Os meninos crescem e vieram outros passeios. Hoje ela faz coisas de gente grande. Sentada à secretária, move o mundo com a força dos seus sonhos e da sua paixão. Mas nem toda a gente grande sonha. Alguns já perderam os sonhos e dizem-lhe:
- Estás louca! Isso não é possível. É sabido: não se pode mover o mundo.
Então sim, ela fica louca.
- Como não? Quem se atreve a dizer que não? Eu posso mover o mundo!
Pode e vai prová-lo. A paixão transforma-se em fúria, fúria de fazer acontecer. É um agir desenfreado, sem parar, sem descanso. Fazendo planos, convencendo pessoas, construindo, realizando, com uma energia que assusta quem a vê. Não há opção: o mundo move-se.
- Eu disse-vos que ele se movia!
Mas ela está cansada. Por que é que é preciso empurrar o mundo? Mas é então que percebe que aquilo que empurra não é o mundo, mas a parede: alta, escura e dura.
E eis que volta a sentar-se nas escadas de pedra, frias.
Ao seu lado, uma andorinha. A vida de ave parece tão simples e a andorinha parece entendê-la como ninguém:
- Olá pequena! Tão pequena a enfrentar um obstáculo tão grande. Ele é muito maior que tu.
Pois, isso ela já sabia.
- Tu és pequena, mas és corajosa e inteligente. Sabes como se vence um obstáculo?
“Vencer?” - Ela estava tão cansada de o empurrar e ele não se movia. Nunca seria capaz de o vencer.
- O obstáculo é como uma ilha no meio do mar. Já viste o que seria se um marinheiro com o seu barco quisesse empurrar uma ilha, achas que a ilha se mexia?
“Mas que pergunta ridícula!”, pensou a menina.
- O que é que faz o marinheiro?
- Contorna a ilha!
- Num primeiro momento pode parecer que se desvia do seu caminho, mas no final, ele chega onde quer chegar.
A menina ficou confusa. Contornar uma ilha é fácil, mas como é que ela contornava a sua ilha? Pensou numa ilha com montanhas, riachos, muito verde. Havia pássaros nessa ilha e frutas diferentes que ela não conhecia. Colheu uma, redonda, pequena, cabia na palma da sua mão, tenra, côr de pêssego. Trincou-a, sentiu-lhe o sabor. Sorriu, com água na boca e a luz do sol no rosto. Afinal, a ilha não era má! Não era preciso lutar contra ela.
- Mãe, eu disse-te por que é que quero ir ao passeio?
A mãe parecia absorta no seu trabalho.
- Eu quero sentir-me igual aos outros meninos. Não quero ser diferente.
Antes que a mãe pudesse responder, ela continuou:
- Por que é que não queres eu vá? É falta de dinheiro? Diz-me, mãe! Eu posso ajudar. É muito caro? Achas que o dinheiro que eu ganhei no verão chega?
A mãe pareceu surpreendida. Um leve acenar da cabeça e o franzir da testa disseram que não, não era falta de dinheiro.
- Então? Tens medo que aconteça algo de mal comigo? É isso, mãe? Eu também não quero que me aconteça nada de mal. Eu vou com os outros meninos e a professora toma conta de nós. Eu gosto da professora. Olha, podemos fazer um contrato! Tu escreves tudo aquilo que eu tenho de fazer para que corra tudo bem e eu assino em baixo. Sim, eu já sei escrever o meu nome! Fazes isso mãe?
Com um sorriso emudecido a mãe abraçou-a.
- Amo-te mãe!
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