De Cascais até ao Guincho. Convidei uma amiga
para o passeio de bicicleta. Ups, há quanto tempo já não ando de bicicleta?
Bicicleta preparada, vamos lá. Ah!, pelo
passeio não; pelo passeio andas tu quando vais a pé e agora estás de bicicleta.
Ok, pela estrada. Ai, os carros! Enraíza, vá! respira, vem para o
teu centro. Estou aqui e os carros passam; está tudo bem, mas preciso de estar
aqui e a mente foge. Ai, como é fácil desenraizar e ir para o mundo dos sonhos.
Mas agora estás aqui! Isto é sério: há carros, a estrada, o teu corpo frágil. O
risco é real. Aqui, a pedalar não é local para sonhar, para desconectares da
realidade. Aqui precisas de estar aqui.
Seguimos caminho. O mar chama. Ai, o mar é tão
lindo, tão imenso. Sinto tensão. Preciso de estar atenta. Não saias da tua faixa,
pode vir alguém atrás de ti a ultrapassar-te. Sim!, na minha faixa. Olha essa
pessoa à tua frente! Tem atenção à estrada, não fiques a olhar para o lado.
Cuidado com a roda da bicicleta da frente! Não aceleres tanto senão ainda lhe
tocas, ainda caímos as duas. Ai, o mar é tão lindo, mas não consigo desfrutar,
relaxar. Respira... Permite-te assimilar todas essas variáveis e relaxar.
Hmmm… Agora passei para a frente. UAU! Assim
gosto mais. Todo o espaço à minha frente é meu para eu explorar. Gosto da sensação
de estar à frente a desbravar caminho. Sou eu e a imensidão de céu, mar e
montanha. Uau, somos uma só imensidão!
Pedalar e pedalar. Parar e descansar. Voltar
a pedalar. Já estou um pouco cansada. O corpo ressente-se da falta de tónus e
de treino. E agora é hora de regressar. Hmm, é preciso fazer tudo isto outra
vez. Pedalar e pedalar. E mais cansaço. O meu ritmo abranda. O corpo com
dificuldade em responder.
Passo novamente para a frente. Se antes
marcava o ritmo, a desbravar terreno a grande velocidade, agora marco o ritmo
porque sou a que consegue ir a menos velocidade. E à minha frente uma extensa
subida. Reduzo para a primeira. Pedala e pedala. Faltam forças. Os músculos com
dificuldade em responder. As emoções a fraquejar: ai, sou tão frágil, não
consigo, não tenho estrutura, não tenho força interior suficiente, vou falhar,
não vou conseguir, ai, não suporto ver isso em mim, ver esta dificuldade. E vem
o gatilho para desconectar e a mente sair daqui.
- Volta! Lembra-te: enraíza, presença!
Pedalar não é o local para sonhar. Fica aí. Respira.
Respiro. A cada pedalada sinto os músculos;
respiramos juntos. Relaxo a mente, repouso-a a observar. Aqui e agora. Agora
após agora.
Relaxa e sente tudo: o cansaço do corpo, o medo de ver a tua fragilidade,
a criança confiante que te ultrapassa a pedalar, o mar, o céu, a longa subida,
a presença das árvores e o manto verde aos seus pés. Sente. Relaxa e sente.
Relaxei. Senti. E observei algo novo:
Ao sustentar aquele desconforto, em presença total
de corpo – emoção – atenção, notei que se criou uma espécie de “substância”, de energia muito subtil. Como se
essa substância, gerada por esse esforço consciente fosse algo perene e, de formas que não alcanço compreender, era como se a produção dessa
substância fosse o produto esperado da nossa existência, o Elixir da
Vida Eterna.